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Contos de Azrael – relatos com Padre Gonzales 2

O inquisidor

[1] de 1490

Caro Grande Inquisidor,

Me dirijo a você, que como bem sabes, venho a anos me empenhando em nossa função sagrada de sangre limpia, e extirpar toda a heresia de nossa sagrada Terra para o desenvolvimento de nosso reino da Espanha. Viemos ao norte da Espanha para averiguar um vilarejo com supostos hereges vivendo lá, onde suspeitamos que o diabo vem atuando junto a muçulmanos e judeus. Vim junto de Salvatore de Baskerville para investigar. Chegamos e nos anunciamos como de costume, recolhemos os relatos dos cidadãos. Conseguimos sete confissões assim que chegamos, e diversos relatos de pessoas que usam vestes limpas e coloridas aos sábados, pessoas que limpam suas casas nas sextas e acedem as velas mais cedo do que o normal.

Então, em um primeiro momento, recolhemos os bens de 15 pessoas, onde oito foram presas para tortura e o restante sofreu com um gato de nove caudas. Tais pessoas foram enviadas para a peregrinação na direção sul, caso sobrevivam. Dentro da igreja havia um calabouço que nos foi bem conveniente. Deixamos na primeira semana os presos com o garfo no pescoço, e ao final da primeira semana, começamos a usar outras táticas de tortura como parafuso, o banco da tortura, a dama de ferro ou o berço de Judas.

Quando se deu 10 dias, quase todos confessaram. Relatos de vultos rolando entre a população do vilarejo, fez com que Salvatore dissesse que ainda não havia sido o suficiente, havia mais algum verme muçulmano ou judeu que estava fazendo algum pacto com o diabo para penalizar a vila e derrubar a Igreja. Então, as torturas continuaram.

Confesso que Salvatore consegue ser bem convincente e estimulante com seu discurso, e incrivelmente criativo com torturas. Principalmente para conseguir prolonga-las. Somente no 13º dia comecei a notar algo de estranho. Passando perto do calabouço, me pareceu ter um vulto monstruoso lá dentro. Ao chegar perto, vi Salvatore pegando umas coisas para sair de lá, no final devia ser só minha imaginação. Notei um olhar de desespero vindo de uns prisioneiros, como se estivesse pedindo minha ajuda.

No dia seguinte, o local infestado de moscas, estava insuportável, se proliferavam ali como pragas, até mais que o fedor.  Neste dia membros dos prisioneiros foram arrancados, foi um dia com mutilações, Salvatore começou a pegar mais pesado para conseguir os outros nomes.

No 15º dia foram presos mais dois. Foi quando eu realmente percebi que tinha algo muito estranho aqui. Esses dois ficaram em um grau de desespero semelhante com os outros que estavam ali faz tempo, em apenas uma noite antes de qualquer tortura começar. Não conseguiam falar nada, nenhum deles, mesmo os que ainda possuíam língua. Vi que qualquer sentimento entre os prisioneiros havia desaparecido e só restava o total desespero. Comecei a notar uma inquietação e um desespero nunca visto antes vindo dos prisioneiros quando Salvatore entrava no lugar, mas principalmente quando eu saia e os deixava sozinhos com o mesmo.

No dia seguinte, cinco prisioneiros foram queimados. Observei Salvatore, me parecia que ele andava se alimentando de toda aquela dor, não apenas como uma satisfação de um lado sádico, mas também como se tivesse degustando um frango feito com os temperos exóticos de frutas silvestres dando aquele gosto agridoce, acompanhado de um vinho da melhor safra. Foi quando percebi que já havia observado isto diversas vezes, só não havia dado a devida atenção. E uma estranha sensação que sempre senti ao seu lado, começou a tomar uma forma diferente, ou talvez, comecei a notar a sua verdadeira forma. Não era estranho como as moscas parecia que não incomodavam ao Salvatore? Se deixar, lhe pareciam familiares, talvez como animais de estimação. Mas como poderia?

Após os autos-de-fé, fez um discurso de como era perigosa a ameaça dos judeus e muçulmanos, e que tudo aquilo iria fazer um reino forte e cristão. Me peguei refletindo sobre nossa missão e como isso iria influenciar em nossa alma. Refletindo sobre o desespero que os prisioneiros estavam demonstrando, será que estavam temendo pelas próprias almas? Mas se é assim, porque só agora?

Desci ao calabouço e fui conversar com os prisioneiros. Notei que embora com medo, eu não os intimidava. Claro, tinham medo das dores da tortura, mas parece que tinha algo que os amedrontava muito mais. Perguntei o que era. Depois de um tempo, fazendo perguntas que eram como se eu tivesse jogando verde, tomei coragem e perguntei sobre Salvatore. E, neste momento, vi o desespero voltando aos olhos deles, e um deles, juntou forças e soltou uma, e apenas uma palavra “Baal”.

1 – Registros da data e local exatos foram danificados

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